A História de Varsóvia remonta a 700 anos atrás, mas, na verdade, a cidade é bem recente. Parece um paradoxo e … é. Varsóvia é uma daquelas cidades que nos apanha completamente de surpresa e nos deixa a pensar. Foi completamente destruída no final da II Guerra Mundial. Completamente! Sobraram meia dúzia de edifícios que o exército nazi, por falta de tempo, não conseguiu deitar abaixo.
A revolta de Varsóvia, que irrompeu contra os invasores alemães em 1 de agosto de 1944 e durou até 2 de outubro, foi a sentença de morte da cidade. Após a derrota, Hitler ordenou que Varsóvia fosse apagada da face da terra. Centenas, talvez até milhares, de edifícios foram pilhados e queimados. Pontes, a estação ferroviária e os monumentos históricos mais importantes, completamente arrasados. Os alemães planearam cuidadosos e sistemáticos para a destruição da cidade.
O escritor e colunista polaco, Jerzy Waldorff e o fotógrafo alemão, Joe Heydecker (um soldado alemão que serviu durante a guerra), compararam a destruição de Varsóvia à devastação de Hiroshima. No entanto, imediatamente após a explosão, a vida voltou gradualmente às ruínas de Hiroshima. Varsóvia, por seu lado, e visto que os alemães expulsaram todos os seus habitantes, permaneceu sem vida por muitos meses.
Fonte: Corbis
Quando uma cidade passa por uma catástrofe desta o que fazer? Desistir e deixar os escombros para memória futura? Não!
Varsóvia que, durante todo o período de ocupação nazi, nunca se rendeu e nunca desistiu não ia agora baixar os braços. E do nada começaram as obras de reconstrução. Pegaram em quadros antigos e em fotos, com imagens da cidade, e começaram a levantar cada um dos edifícios e praças dizimados. E conseguiram. Nunca uma área histórica tão vasta de uma cidade fora reconstruída.
Alguém menos informado que entre em Varsóvia pela primeira vez não acreditará que o castelo, as casas medievais, as igrejas e as praças, não são as mesmas que foram ali andavam algures em séculos passados.
Por este motivo e, porque a reconstrução ainda se mantém até hoje, a memória da II Guerra Mundial é ainda muito fresca na cidade. Apesar de apenas 5% dos atuais habitantes serem descendentes de habitantes dessa época. A maioria das pessoas saiu para nunca mais voltar e quem voltou, afirma que a cidade parece a mesma, mas, na verdade, está virada do avesso.
As marcas e memórias desse tempo estão espalhadas por toda a cidade. Não é talvez o mais feliz dos percursos que podemos realizar por Varsóvia, mas é importante fazê-lo.
Comecei percurso pela Praça Zamkowy, onde se encontra a Coluna de Zygmunt e o Palácio Real, ambos deitados abaixo pelas forças alemãs em 1944. O castelo foi reconstruído entre 1971 e 1984.
Fonte: PAP/CAF
Fonte: Marek Szymanski/Forum
Daqui segui para a Cidade Velha, a parte mais antiga de Varsóvia, reduzida a um monte de cinzas durante a Revolta de 1944. Durante as três semanas de luta contínua, o centro histórico foi completamente destruído. Os alemães atacaram com a força de 7 000 soldados, apoiados por morteiros pesados, as armas de assalto armado, uma bateria de lançadores de foguetes, um comboio blindado e bombas lançadas do Rio Vistula. A Cidade Velha caiu no dia 2 de setembro. Após três semanas de combate, não existia um único edifício intacto.
A reconstrução da Praça foi um exemplo emblemático para todos os monumentos históricos de Varsóvia. Um grupo de renomados arquitetos e ambientalistas projetaram a reconstrução das casas dos comerciantes ao redor da praça, recuperando as formas contemporâneas dos séculos XVII e XVIII.
Fonte: PAP/CAF
Segui depois para o Palácio Presidencial, local também ocupado pelos soldados alemães. Foi aqui que decorreu o funeral do General nazi Franz Kutschera abatido a tiro pela resistência polaca na cidade. Após semanas de “espionagem” organizada para tentar descobrir onde vivia e quais as rotinas do sádico General, um insurgente conseguiu abatê-lo. A cerimónia fúnebre teve lugar neste espaço, na época a Deutsche House, um espaço de lazer e diversão dos soldados alemães. Foi aqui, durante a cerimónia, que os nazis obrigaram a noiva do general, que segundo dizem estava grávida na altura, a casar com o morto para oficializar a relação antes do nascimento da criança.
Viro as costas ao Palácio e sigo para o Jardim Saxão, mais precisamente para o Túmulo do Soldado desconhecido, construído no então Palácio Saski que ocupava lugar de grande destaque nos jardins. O Palácio foi totalmente destruído durante a II Guerra Mundial e tudo o que restou foram as colunas que abrigavam o Túmulo. Aqui está enterrado um soldado que morreu durante a I Guerra Mundial. Aqui também se encontram inscritas nas paredes as localidades onde o exército Polaco, com os aliados, combateu contra as forças alemãs.
Fonte: Zdzislaw Wdowinski/PAP
Percorrendo as ruas, em direção ao Monumento da Batalha de Monte Cassino, encontrei uma série de placas espalhadas pelas paredes com inscrições e alguns números. Estas placas são uma das mais impressionantes memórias que os habitantes de Varsóvia fazem questão de manter e homenagear. São 1500 espalhadas por toda a cidade e assinalam o local onde ocorreram execuções em massa de habitantes de Varsóvia. Muitas destas placas indicam o número de pessoas que ali foram executadas pelos soldados nazis.
No roteiro, passei junto ao Banco da Polónia, parcialmente mantido como um destroço da guerra, parcialmente (mal, segundo os locais), reconstruído. Nos seus jardins encontra-se um símbolo meio estranho com o qual já me cruzara antes pela cidade. Esse símbolo representa a expressão Polska Walcząca (Polónia Luta). Foi criado para representar a resistência polaca durante a II Guerra Mundial e mostrar aos habitantes de Varsóvia que continuavam a resistir e havia esperança. O ícone foi desenvolvido para substituir a expressão polska walczaca que era pintada pela cidade e que indicava a presença e atividade da resistência. A expressão era tão longa que os resistentes que a tentavam pintar em símbolos alemães, após o recolher obrigatório, acabavam abatidos. Assim, nasceu um símbolo fácil e rápido de desenhar que até hoje representa a força e resiliência dos polacos.
Cheguei depois ao monumento da Batalha de Monte Cassino, no Krasinski Garden. Foi inaugurado em 1999 para homenagear os soldados polacos que lutaram na Batalha de Monte Cassino, em Itália, em 1944, ajudando a abrir caminho para que os soldados aliados chegassem a Roma. A estátua de 12 metros de altura representa Nice, a Deusa romana da vitória. Uma coluna de dois metros contém uma urna com as cinzas de soldados caídos. No topo, onde está a Cruz do Monte Cassino, estão gravados emblemas das cinco unidades polacas que lutaram na batalha.
Terminei naquele que é o mais importante e emblemático memorial da cidade, o Monumento da Revolta de Varsóvia. O monumento, inaugurado em 1989, comemora os heróis do histórico levantamento de Varsóvia que aconteceu a 1 de agosto de 1944 e colocou fim à ocupação nazi da cidade. O monumento representa as diversas frentes onde os insurgentes lutaram, a defender as barricadas e a entrar e a sair dos esgotos de onde espalhavam a batalha pelos diversos pontos da cidade. Junto ao monumento encontra-se uma das entradas para o esgoto usadas pelos revolucionários, assinalada para memória futura.
Outros locais a visitar que guardam memória da II Guerra Mundial são a Prisão Pawiak e o Mausoléu da luta e martírio. A prisão foi, durante a II Guerra Mundial, foi uma prisão política da Gestapo, que aqui deteve cerca de cem mil prisioneiros. Foi destruída pelos alemães durante a Revolta de Varsóvia.
O Mausoléu está localizado na Avenida Szucha. Nos anos da ocupação (1939-1945), a Avenida Szucha foi ironicamente chamada ‘gueto dos alemães’. A rua foi incluída no fechado distrito alemão e o seu nome foi mudado para o Strasse der Polizei (‘Rua da Polícia Street’ ou ‘ulica Policyjna’). O edifício localizado no n.º 25 abrigava a sede da polícia de segurança e serviço de segurança durante a ocupação. A cave foi usada como uma prisão de investigação, onde os detidos eram torturados. Foi também aqui que ocorreram execuções em massa de polacos durante a Revolta de Varsóvia. Após a guerra, tornou-se um mausoléu e um lugar da memória nacional.