À descoberta de Mandalay

Após dois dias intensos e inebriantes em Bagan estava curiosa de saber o que o próximo destino no Myanmar teria reservado para mim. Certo era que iria abandonar o silêncio e a calma para voltar à loucura de uma grande cidade, Mandalay. A zona de Mandalay é rica em locais a visitar e a cidade é uma boa base para explorar toda a região e os seus diversos pontos de interesse, como Amarapura, Mingun, Sangaing e Ava. Vamos à descoberta de Mandalay?

Ao chegar, rapidamente percebi que Mandalay é uma cidade moderna e em expansão, muito longe do ritmo de Bagan. Edifícios religiosos e tradicionais convivem com zonas onde edifícios de vidro e blocos de cimento pairam sobre as suas principais artérias. Motas, carros e tuk tuk correm apressados pelas ruas amplas, fazendo lembrar o jogo o Pac-Man. O traçado da cidade foi construído em rede, com ruas paralelas e perpendiculares, uma organização verdadeiramente surpreendente. 

Como de costume a passagem pelo hotel para largar a bagagem foi breve.  Estava em ânsias de partir à descoberta do que já vira nos livros: o Palácio Real, o mosteiro de Shwenandaw,  Mandalay Hill e o movimentado Templo Mahamuni, entre muito outros pontos de interesse. 

Palácio de  Mandalay

A cidade é gigante e as distâncias enormes, mas o caminho até ao palácio, que demorou quase uma hora, foi feito com o prazer da descoberta, com os olhos a perscrutar tudo a volta e a atenção de uma criança que observa o mundo pela primeira vez. Depois desta caminhada, eis que cheguei ao portão de entrada do palácio, onde me reservava uma surpresa. Faltava ainda cerca de 2 km para entrar no palácio propriamente dito. Nem hesitei, contratei um motorista na hora para me levar ao palácio e também para os restantes locais queria visitar nesse dia. Resolvida esta parte, lá parti a descoberta. 

Mandalay foi fundada em 1857 como uma importante capital do reino. Este período dourado foi curto, mas deixou uma série de soberbos edifícios religiosos, bem como o colossal Palácio Real – uma cidade proibida escondida atrás de muros e de um amplo fosso. Sede dos últimos governantes da Birmânia independente, o palácio foi construído em meados do século XIX.

O complexo inclui Torre de vigia, Sala do Trono e  diversos espaços onde a família real passava os seus dias, bem como toda a corte que os acompanhava. Foi invadido pelo exército britânico e usado como quartel, antes de ser destruído pelas bombas aliadas em 1945, enquanto era ocupado pelos japoneses durante a II Guerra Mundial. As estruturas atuais, construídas na década de 1990, têm pouco mais do que uma semelhança passageira com os originais, ricamente esculpidos e dourados. Para ter uma melhor ideia do esplendor arquitetónico do tempo de Mindon, recomendo visita ao Mosteiro Shwenandaw nas proximidades. 

Depois do Palácio seguia-se a visita a um conjunto de templos no sopé do Monte de Mandalay. Tinha grande curiosidade sobre dois deles, o Mosteiro de Shwenandaw, um imponente edifício de teca, e o pagode Kuthodaw que guarda, gravado em pedra, o texto sagrado do budismo.

Mosteiro de Shwenandaw

Único remanescente do magnífico Palácio Dourado da Dinastia Konbaung. Fazia parte dos apartamentos pessoais do rei Mindon e sobreviveu aos bombardeios da II Guerra Mundial porque foi desmontado em 1880 e reconstruído no local onde se encontra atualmente, fora das muralhas do palácio. Construído em madeira, está coberto no exterior pelos mais fabulosos entalhes. No seu interior, os pilares e tetos dourados mostram-nos de uma forma vívida o quão sumptuoso era o complexo do qual fazia parte.

Mosteiro de Atumashi

Junto ao mosteiro de Shwenandaw, ergue-se o Mosteiro Atamashi, uma reconstrução de um edifício similar originalmente construído em 1857. Atualmente uma sombra do magnífico Mosteiro que foi em tempos que já não voltam. Nessa época gloriosa possuía um Buda de 9 m coberto com vestes de seda e com um enorme diamante embutido na testa. O diamante foi saqueado durante a invasão britânica de 1885 e, cinco anos depois, o próprio Buda se perdeu num incêndio.

Templo de Kuthodaw

Entrei novamente no carro, desta vez em direção ao templo de Kuthodaw. O primeiro impacto visual foi da sua estupa de 30 m, sumptuosamente dourada, emoldurado pela colina de Mandalay. No entanto, o que mais nos arrebata neste complexo são os 729 pagodes caiados de branco, cada um contendo lajes de pedra esculpidas com páginas do Tipitaka, o cânone do dos de ensinamentos budistas, conforme preservados pela escola Teravada. Diz-se que é o “Maior Livro do Mundo”.

Templo de Sandamuni

Adjacente ao Kuthodaw fica o seu irmão “quase gémeo”, o pagode Sandamuni, também guardião de mais de 1700 lajes de mármore com inscrições do Tipitaka, alojadas em fileiras de santuários caiados de branco. Por este motivo, é muitas vezes apelidado de “Volume II do Maior Livro do Mundo”. O templo alberga ainda um enorme Buda de ferro fundido, importante figura religiosa para os locais, completamente incrustado em folhas de ouro.

Templo de Kyauktawgyi

Termino o dia no templo de Kyauktawgyi, em frente a um enorme Buda que ocupa e domina todo o seu o salão principal. Dizem que foram precisos mais de 10 000 e 13 dias para arrastar o bloco de mármore verde-claro, durante os 25 km que separavam pedreira da cidade de Mandalay. 

No segundo dia fui à descoberta dos mercados (nenhuma visita pelo sudoeste asiático fica completa sem uma visita aos mercados), alguns templos menores, mas que despertaram a atenção e, deixando o melhor para o fim, a colina de Mandalay. Devo dizer que não podia ter terminado o dia de forma mais grandiosa. Mas estou a antecipar-me.

Os Mercados

Comecei o dia pela fresca em direção ao mercado de Mingalar. Um mercado menos conhecido e menor. Vendem sobretudo produtos alimentares daquela maneira tradicional que a nós “ocidentais” nos parece pouco higiénica, mas que por estes lados é “tá! Tudo bem”. Fascina-me esta total falta de noção de segurança alimentar, mas são formas diferentes e culturas diferentes. A verdade é que não resisto a um bom mercado. Deambulei por ali um pouco à sorte e rapidamente segui para o mercado Zay Cho, uma espécie de mercado/centro comercial. Mais uma vez o descontraído estilo local de venda de produtos está por aqui presente.

Roupa, tecidos, refeições, fruta, chá, conservas, tudo se vende em bancas amontoadas e arrumadas de acordo com algum critério que me escapa, mas que parece funcionar. Os caminhos são tão estreitos em algumas zonas que quase levamos as mercadorias atrás. As cores são vibrantes e a mistura faz lembrar um caleidoscópio on LSD, mas tudo funciona em harmonia. A melhor hora para visitar estes mercados é quase sempre ao início da manhã. No entanto, muitos deles funcionam até tarde da noite.

Templo de Eindawya 

A poucos passos de Zay Cho encontra-se o Templo de Eindawya, um enorme pagode dourado (coisa rara para estes lados, certo?), em forma de sino, assente em quatro terraços quadrados. É um espaço tranquilo e muito fotogénico onde fiquei por algum tempo apenas a desfrutar de um momento de tranquilidade, apreciando o silêncio e treinando os mais complexos ângulos fotográficos (como veem perfeitamente fantásticos e nunca vistos).

Pagode de Setkyathiha

Porque o calor ainda não apertava, segui até ao Templo Mahar Thakya Thihe. Este templo quase impercetível tem um interior de grande beleza, com especial destaque para o Buda sentado de 5 m de altura, feito em bronze fundido. Estranhamente está rodeado com uma auréola de leads psicadélicos que esconde um pouco a sua imponência e dá-lhe um ar um pouco de decoração de discoteca rasca. O templo tem também um conjunto impressionante de estátuas de mármore e uma árvore de bodhi (aquelas árvores fantásticas que florescem o ano inteiro). Não é um templo óbvio, mas foi um dos que mais gostei, pela sua beleza despretensiosa.

Colina de Mandalay 

E como mandam as boas regras do visitante informado, deixei a Colina de Mandalay para o final da tarde, quando o calor do dia começa a baixar, para poder assistir ao por do sol. 

A Colina de Mandalay é um local sagrado para os birmaneses. Segundo a tradição do Budismo Theravada, Buda visitou este local profetizando que no 2400.º aniversário da sua morte, uma grande cidade seria fundada aos seus pés. A visão foi concretizada em 1857, quando o rei Mindon mudou a capital de Amarapura para a “Cidade Dourada”. Por este motivo, está sempre palpitante de visitantes locais que ali vão prestar homenagem nos diversos santuários que pontuam o caminho para o cume. Os restantes visitantes vão sobretudo pelas vistas da cidade e da zona envolvente, 360.º, a partir do Templo Sataungpye que coroa o topo da colina.

O acesso à colina pode ser feito a pé ou de qualquer outro veículo de 2, 3 ou 4 rodas via uma estreita estrada, que vai a ziguezaguear colina acima. O acesso a Sataungpye é feito através de um elevador. A entrada mais famosa é a que se encontra ladeada por um par de enormes grifos (criatura lendária alada com cabeça e asas de águia e corpo de leão). No caminho para o cume encontram-se um conjunto de diversos templos, sendo a principal estrela um enorme Buda dourado que, em pé, parece apontar para algo verdadeiramente importante. Segundo a lenda, este Buda aponta para um local situado algures na interceção de dois caminhos, marcando o ponto exato onde iria ter lugar a fundação de Mandalay. O braço e o dedo estendido da estátua apontam, por isso, diretamente para o Palácio Real. 

Gradualmente, quase sem dar conta, o sol começou a descer e terminei o dia com um dos mais incríveis pôr do sol. Tudo (ou quase tudo, porque os chineses continuavam a sua chinfrineira louca para tirar a melhor foto possível com o pôr do sol) se calou à nossa volta. É um espetáculo diário, mas que não deixa nunca de ser mágico e de me fazer sentir parte dessa magia. Desci a colina feliz e triste ao mesmo tempo. Feliz pela beleza que tinha acabado de presenciar. Triste porque tinha passado mais um dia e estava um dia mais perto de deixar Myanmar, esse país pelo qual estava totalmente arrebatada.

Amarapura 

No terceiro dia em Mandalay era tempo de explorar alguns locais mais afastados, neste caso Amarapura. Tinha  já acertado de véspera um tuk tuk para a viagem, o mesmo que nos levara a Colina de Mandalay, e planeado duas paragens que queria fazer. A primeira no templo de Mahamuni e a segunda no Mosteiro de Shweinbin. 

O Templo de Mahamuni

O Templo Mahamuni é o segundo santuário mais reverenciado do país depois de Shwedagoon, em Yangon. Tem um Buda em ouro de extrema relevância religiosa e, embora as mulheres não possam entrar no santuário interno, os homens podem prestar as suas homenagens pressionando uma folha de ouro. Ao longo dos anos muitas foram as folhas de ouro acrescentadas a estátua, que formam atualmente grandes quantidades de ouro maciço na sua base. Curiosamente (provavelmente só eu é que reparo nestas coisas), o rosto está brilhante e suave, como se fosse polido diariamente com um pano de seda. Enquanto os homens fazem fila no seu interior para prestar homenagem, as mulheres fazem as suas orações no corredor e acompanham o que se passa no seu interior por televisores instalados nas paredes.

Shwe In Bin Kyaung

O Mosteiro de Swe In Bin Kyaung é mais um exemplo de um elegante mosteiro de teca com as paredes cobertas de intrincadas figuras esculpidas. É um oásis de calma na cidade, pois recebe poucos visitantes. É um dos retiros mais atmosféricos da cidade.

Amarapura

Amarapura é uma pequena cidade que nasceu ao redor do lago Taungthaman nas margens mais a sul de Mandalay. É conhecida quase exclusivamente pela mais famosa ponte de madeira do mundo, a ponte U Bein. Ao final do dia parece que todo o mundo converge para este local. Seja para a atravessar, posicionar-se estrategicamente nas suas margens ou sair num curto passeio de barco. Tudo para a fotografar ao pôr do sol. Confesso que estava entusiasmada com o facto de ir atravessar a ponte, mas depois la em cima, tive alguns pequenos sustos. A segurança não é claramente uma prioridade por aqueles lados.

Amarapura já foi capital do reino e como tal tem alguns locais que merecem uma visita para além de U Bein. Assim, aproveitei para visitar os Templos de Shwe Motehtaw e Taung Mingyi e o modesto mosteiro que fica nas suas proximidades. Recomendo! Caso nesta fase da viagem não estejam já fartos de visitar templos e mosteiros (eu nunca me farto).

Outro passeio incrível é atravessar o 1,2 km de ponte e visitar a outra margem. Dar uma volta pelo pequeno e caótico bairro e visitar o templo de Kyauktawgyi. É um grande pagode branco coberto com uma torre de ouro, localizado na margem oriental do lago. Sentado no centro do pagode, um enorme Buda de mármore, a partir do qual chegamos a um conjunto de impressionante de corredores com uma série de extraordinários murais antigos pintados. Os murais retratam edifícios antigos, pormenores da astrologia birmanesa e cenas que retratam a vida quotidiana dos habitantes locais.

Explorando a região de Mandalay

Existem ainda diversos locais a visitar na área de Mandalay. Mingun e a sua gigante estupa inacabada, alcançada através de uma memorável passeio de barco pelo rio, as ruínas de estuque e tijolo da medieval de Inwa (Ava) e a verdejante colina/pagode de Sagaing.  Mas este texto já vai longo pelo que deixarei essa história para outro dia. Mantenham-se atentos ;).

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