Roteiro por Arcos de Valdevez, a terra “Onde Portugal de fez”

Fica no ouvido, não fica? Vou explicar de onde vem essa afirmação. Então é assim.  

Corria o ano de 1141. Afonso Henriques, futuro primeiro rei de Portugal, invade e toma castelos em território galego, provocando a ira de Afonso VII, Imperador de Leão e Castela, seu primo. Como represália, os exércitos leoneses, em número muito superior, avançam rapidamente sobre o Condado Portucalense; encontram-se, frente a frente, em Valdevez, naquele que perece ser um confronto iminente. Contudo, acaba por ser definida uma negociação entre as partes, poupando homens; por acordo comum, ambos aceitam realizar um bafordo, ou torneio, conhecido como “Recontro de Valdevez”; os portugueses saem vitoriosos, permitindo assim a autonomia e a afirmação crescente do jovem monarca e a independência de Portugal. Este é um dos mais importantes momentos na formação de Portugal, marcando para sempre a História nacional (…).

Fonte: Câmara Municipal Arcos de Valdevez

“História, Património, Tradição e Natureza são fortes argumentos para conhecer este concelho, o maior do Alto-Minho”, diz-nos panfleto distribuído pelo Turismo local. O que não é de todo, posso garantir, publicidade enganosa. Encontrei em Arcos de Valdevez uma terra onde podia viver feliz.

Arcos (só para os amigos) é uma vila raiana cheia de vida, do ver e do que fazer. Da praia fluvial que atravessa o centro da vila, às serras do Parque Natural Peneda-Gerês que se avistam ao longe, passando pelo centro histórico e percorrendo os trilhos até aos Fortes do Extremo, à Porta do Mezio. Percorrendo as estradas, com curvas e contracurvas, parando nos diversos miradouros para respirar a paisagem. Sem esquecer a paisagem cultural do Sistelo, o Santuário da nossa Senhora da Peneda, o Soajo, as Praias Fluviais escondidas rio acima, com cascatas naturais, e tanto mais que não consegui ver…desta vez.

Venha comigo nesta breve viagem para descobrir Arcos de Valdevez.

Centro histórico, o que visitar?

Arcos de Valdevez nasceu e foi criado nas margens do rio Vez, embora o seu centro histórico se projete na direção oposta. Pelas suas ruas empedradas, respira-se a história e tradições das populações que ali se instalaram há muitos séculos atrás, antes mesmo de nos chamarmos Portugal. A construção da primeira ponte de ligação entre as duas margens foi momento decisivo após o qual evoluiu e se consolidou, sendo atualmente uma das maiores e mais importantes do Alto Minho.

O coração histórico de Arcos de Valdevez

O Recontro de Valdevez marca a história do Município pelo que o melhor local para começar a visita é pelo Campo do Trasladário, um dos pontos mais animados, e pelo monumento que homenageia este momento histórico.  Em bronze fundido, a imponente estátua equestre não será difícil de encontrar. Os dois imponentes cavaleiros sem rosto, preparados para combate, representam o conflito que já partilhei acima entre aquele que viria a ser o primeiro rei de Portugal, Afonso Henriques e o seu primo Afonso VII, Rei de Leão e Castela. Esta zona da vila respira história, mas é sobretudo o ponto de encontro das diversas gerações. Os mais jovens para desfrutar das vantagens das margens do rio e os mais velhos, aos domingos, mantendo as tradições, cantando e dançando ao som de modas locais.

A caminho daquele que é um dos locais mais importantes de Arcos de Valdevez, joia do Barroco português e Símbolo do Barroco no Alto Minho, passamos pela ampla Praça Municipal, onde se encontra o Edifício da Câmara e o Pelourinho, a Igreja Matriz de Arcos de Valdevez e o Jardim dos Centenários.

O Jardim dos Centenários é um espaço de ideal repousar e apreciar a vida a passar por Arcos. É um espaço amplo, rodeado de imponentes espaços dedicados à arte, história e cultura de Arcos. Aqui encontramos a Igreja Matriz, a Casa das Artes/Biblioteca e o famoso Centro de Interpretação do Barroco“Uma porta para o Barroco no Alto Minho!”, como é chamado localmente.  

Está instalado na fantástica Igreja do Espírito Santo, uma das mais importantes igrejas do Barroco português. Precedendo a “entrada” propriamente dita naquilo que é considerado o Centro de Interpretação do Barroco é impossível não ficar arrebatado com a beleza e imponência das obras de arte no interior da Igreja. Veja a imagem abaixo e diga-me se não tenho razão.  

Voltando então ao Centro, a primeira das “estações do tempo” da Rota do Barroco do Alto Minho que percorre dez concelhos, dez percursos de visita. A Rota inclui igrejas, capelas e santuários, muitas delas construidas pelas várias confrarias que por aqui se instalaram.

Ali se fica a conhecer toda a Rota e a Linha Temporal, ou o percurso histórico, deste estilo artístico na região. O centro inclui ainda uma visita guiada virtual pela igreja, misturando de forma sublime as modernas tecnologias e o passado histórico das obras que nos rodeiam. Um apontamento verdadeiramente surpreendente.

Termino este pequeno trajeto no Largo da Lapa, um dos ex-libris da vila, junto ao refrescante e inesperado Relógio de Água. Uma fonte que assinalada a passagem do tempo, de forma automática, através dos seus jatos verticais de água. Em frente fica a Igreja da Lapa, construída em homenagem à Santa da Beira, a nossa Senhora da Lapa. Destaca-se no centro da pequena praça.

Uma visita por Arcos é uma visita ao encontra da História de Portugal. Por isso, antes de sair para explorar as cercanias de Arcos, local de passagem obrigatório é o Paço de Giela. A sua construção está profundamente ligada à formação da “Terra de Valdevez”. É um monumento imponente que inclui a torre medieval e a zona residencial do edifício, ambos os locais visitáveis. Foi recentemente recuperado pela Câmara, num projeto que devolveu a sua imponência e combina passado com futuro.

É ao redor deste edifício que decorre a reconstituição histórica do Recontro de Valdevez, que assim, como outras atividades, está suspensa até que a pandemia dê tréguas. Certamente um evento a não perder.

O Paço de Giela está aberto de terça-feira a domingo, das 10h às 13h e das 14h às 18h. O bilhete de entrada custa 1 €, sendo gratuito para crianças até os 12 anos.

Ao redor de Arcos de Valdevez

E agora altura de descobrir a imensidão de histórias, experiências, locais e aventuras que se estendem ao redor da Vila, através do maior concelho do Alto Minho.

Parque Nacional da Peneda-Gerês

É sem dúvida local inevitável, numa visita a Arcos, cuja paisagem das serras se destaca ao seu redor. É primeira Área Protegida criada em Portugal e a única com estatuto de Parque Nacional e é classificado pela UNESCO como Reserva Mundial da Biosfera.

Um local que sempre quis conhecer, mas nunca tinha tido a oportunidade. É definitivamente um lugar único, dos poucos em Portugal onde ainda encontramos ecossistemas ao natural, com muito reduzida influência humana e espécies autóctones quase intocadas. Um local onde vou certamente voltar com mais tempo.

Porta do Mezio

É pela Porta do Mezio, uma das cinco do Parque Nacional, que Arcos de Valdevez nos convida a entrar para a imensidão das montanhas e vales do Soajo e Peneda, território Reserva Mundial da Biosfera da UNESCO.

Espaço que reúne um conjunto de equipamentos que convidam a vir e a ficar por cá, com a família ou amigos. O local inclui o Centro de Receção e Informação, o Parque da Biodiversidade, a Aldeia dos Pequeninos, o Centro Interpretativo da Área Arqueológica Mezio/Gião, o Museu Rural e Etnográfico, um Restaurante, Miradouro, Estufa, Parque Fitness, de Merendas e de Aventura, onde pode praticar arborismo, slide e escalada, piscina, Espaços Infantis e o Observatório de Avifauna.

Para quem é fã de baloiços em locais fotogénicos, bem perto, pode encontrar o Baloiço do Mezio. Passe por lá, mas para além da foto do baloiço para o Instagram, deixe-se envolver e perder pela paisagem envolvente do Parque Natural.

Santuário de N. Senhora da Peneda

Pelas estradas sinuosas das serras chegamos ao Santuário de N. Sra. da Peneda. Diz a lenda de Nossa Senhora das Neves que esta Igreja foi construída no local de uma pequena ermida que já existia, assinalando o ponto da aparição. A Sra. da Peneda terá aparecido a 5 de agosto de 1220, a uma criança que pastoreava as suas cabras por entre aquelas penedias.

Todos os anos, na primeira semana de setembro, centenas de peregrinos da região e da vizinha Galiza aqui se reúnem para a peregrinação. A romaria é uma das mais importantes do Alto Minho.

O Santuário é imponente, enquadrado harmoniosamente na paisagem, rodeado por um penedo vertical e uma queda de água que tornam todo o cenário delicioso.

Diante da igreja encontra-se o Escadório das Virtudes, inspirado no Bom Jesus de Braga, com estátuas a representar as quatro virtudes – a Fé́, a Esperança, a Caridade e a Glória. Após o largo na base na Igreja, segue-se por uma alameda arborizada, rodeadas de diferentes capelas sobre a vida de Cristo e a Via Sacra, até à praça circular, em frente ao pórtico de receção ao romeiro.

Sabia que

…a encosta que protege a Igreja é uma das paredes de escalada mais emblemática de Portugal, a Fraga da Meadinha. Se é corajoso e gosta deste tipo de aventura, não vai querer perder esta da escalada em granito.

A visita a uma das serranias mais altas do concelho não fica completa passar pela capela de São Bento do Cando. Localizada na freguesia na Gavieira, é um local de peregrinação dos devotos de São Bento. A freguesia parece parada no tempo, rodeada da mais imponente paisagem, com uma forte ligação à natureza, resultado de se encontrar inserida no Parque Nacional da Peneda-Gerês.  Visite a Capela e encha a garrafa de água na fonte mesmo em frente à escadaria. Poucas vezes vai beber água mais pura e fresca, diretamente da natureza.

Pelo percurso não se esqueça de ir parando nos Miradouros com os quais se vai cruzar. O do Tipo é talvez o mais famoso e local de paragem obrigatória. As vistas deslumbrantes. Fazem-nos sentir num outro mundo e dão ótimos postais para o Instagram. 🙂

Soajo

Entra-se nas ruas estreitas da Vila Soajo e logo se percebe que é singular. O tempo não passou por ali. Quão difícil será manter, ao longo de séculos, a sua história e identidade de forma tão viva?

Perca-se pelas ruas estreitas, desfrutando do silêncio, num regresso ao passado onde vai encontrar muitas tradições e locais centenários.

Se é mais para o aventureiro pode sair em descoberta das inúmeras lagoas e cascatas naturais que por ali se escondem, como a pequena “praia” fluvial do Poço Negro. Pode subir os rios, descer as cascatas, percorrer os trilhos, respirar o ar puro.

Sistelo, o “Tibete” Português

A aldeia do Sistelo, no extremo oposto aos caminhos por andei até agora, é Paisagem Cultural, conhecida pelos seus socalcos que lhe valeram a denominação de “Tibete” Português. Esta técnica foi desenvolvida pelas populações locais com o objetivo de conseguirem, de uma terra “complicada” retirarem o seu sustento através da agricultura e da criação de animais. O que mostra que quando o homem e a natureza trabalham em conjunto, a magia acontece e tudo funciona em harmonia.

Sabia que

… Este é o local perfeito para quem gosta de aventura? Tem inúmeros trilhos disponíveis e passeios por locais como a Floresta Encantada de Miranda, o Miradouro do Castelo de Santa Cruz ou a Cascata de Rio Cabão.

Fortes do Extremo

Termino de volta à Vila, nos Fortes do Extremo. Duas estruturas datadas do período da Guerra da Restauração da Independência portuguesa do século XVII que tiveram um importante contributo durante o conflito ibérico para a recuperação da nossa soberania. Dois fortes defensivos – Forte de Bragandelo e o Forte da Pereira – alvo recente de um projeto de conservação do Município e que são agora um importante testemunho da época.

Fonte: Câmara Municipal de Arcos de Valdevez

Do Forte do Bragandelo, consegue-se sentir o ambiente da época, ouvir as conversas entre dos elementos do exército português que destes postos defendeu feroz e heroicamente esta importante passagem territorial das inimigas guarnições espanholas. De olhos postos em Espanha, quase conseguimos recuar atrás no tempo e tomar posições defensivas ao redor dos diversos pontos do Forte, um dos mais bem conservados de que há registo.

Fortes do Extremo via Google Earth. Não é o máximo?

Atividades em Arcos de Valdevez

Depois de todos os trilhos e caminhos que vos mostrei até aqui, muito mais há para ver e fazer. Arcos de Valdevez é um conselho que reúne inúmeras atividades para todas as idades e gostos.

Existem diversos trilhos pela região, atividades mais radicais como River Trekking, uma caminhada aquática rio acima, a explorar a beleza natural dos rios locais (que pode fazer com Soajo Nomadis (que tem esta e outras aventuras aquáticas e terrestres), atividade eco-naturais, passeios de caiaque, passeios de Jipe, provas de vinhos (Organizadas pelas ECO4adventure. 

Se prefere atividades menos intensas, então a observação das estrelas talvez seja mais a sua praia. Marque um jantar local no restaurante da Porta do Mezio e fique por lá para observar as estrelas com quem sabe. “Especialistas do Céu” vão levá-lo num percurso noturno pelo céu, com orientação pelas estrelas, observação de corpos celestes e planetas, através de telescópios altamente potentes. Eu vi a Lua, mas melhor que tudo vi Saturno e os seus anéis. Tudo ali tão perto como se lhe pudesse tocar. Foi uma experiência única e inesquecível.   

Sabores de Arcos de Valdevez

Não me vou embora sem vos falar da comida. Em Arcos de Valdevez descobri inúmeros pratos únicos da gastronomia local e vinhos verdes, brancos e tintos, da região que se misturaram numa deliciosa surpresa de aromas e sabores.

A começar pela singular carne da Cachena, carne de vaquinhas autóctones. Já o vinho por aqui tem de ser verde. Apesar de ser região pouco conhecida pelos seus vinhos, os que tive a oportunidade de provar não deixam créditos por mãos alheias. Se é apreciador de vinhos verdes (ou maduros) não deixe de passar por Arcos. Vai ficar, como eu, agradavelmente surpreendido.

Por fim, descobri os fantásticos Charutos dos Arcos, uns docinhos tão maravilhosos que dá vontade de comer até não poder mais. Fiquei verdadeiramente apaixonada. E feliz por Arcos ficar a mais de 400 km de Lisboa. Senão a tentação ir ser difícil de resistir.

Sabia que

…Arcos de Valdevez foi um dos primeiros municípios a nível nacional a exportar vinhos, para Inglaterra. O vinho (e as vacas) seguiam de barcaça de Arcos até Viana de Castelo onde eram depois embarcados nos navios.

Onde degustar os sabores locais

Espaço Vinhos e Sabores

Pequena loja junto ao Campo transladário, integra a Rede de Museus Portugueses do Vinho. Explorado pela AVVEZ – Associação dos Vinhos de Arcos de Valdevez que aqui promove e dá a conhecer os produtos do artesanato alimentar local e os Vinhos de Arcos de Valdevez. Local ideal para degustar e comprar alguns dos sabores locais e usufruir de uma experiência de sensorial única. Entre os vinhos, as Cacharoletes, uma bebida local feita à base de vinho verde, os sabores locais e as combinações improváveis feitas com os mais variados produtos (enchidos, queijos, doçaria, mel) vai sair deste Espaço feliz.

Restaurante Videira (Soajo)

Restaurante familiar localizado no Soajo. Com uma decoração interior típica da região é no alpendre de madeira, com vista para quem passa, que recomendo que fique (se o tempo assim o permitir). A vai desfrutar de uma refeição caseira, com sabores tradicionais onde a suculenta Carne da Cachena, grelhada, acompanhada com Arroz de Feijão Tarrestre, é a rainha. Para sobremesa o famoso (com mérito, posso afirmar) Bolo de Mel. Saí de barriga e alma cheia, como só a boa comida consegue fazer.

Doçaria Central

Pastelaria tradicional fundada em 1830 por Francisca Doceira, bisavó da atual proprietária, D. Alzira Galvão. Mantém-se desde sempre na mesma família o que é coisa rara nos dias de hoje. Até o empregado ali trabalha há mais de 20 anos. Aqui vai deliciar-se com os afamados Charutos dos Arcos, mas também com outras pérolas como os Rebuçados dos Arcos (conhecido pelos “cala maridos” pela sua dimensão), os Bolos de Festa e o Pão de Ló.

Mercearia Pureza

E por falar em tradição, não deixem de visitar a mercearia Pureza, um espaço criado pela Cristina que guarda os sabores, aromas e texturas de uma mercearia de aldeia. O nome vem da avó Pureza e o espaço recupera as tradições da pequena mercearia que ela teve na infância na Aldeia de S. Martinho de Castro. A mercearia está também disponível para todo o país, através da loja online.

Outros locais onde poderá provar a comida tradicional.

Arcos de Valdevez definitivamente um território de grande beleza, vastas paisagens, muita história, boa comida e vinho.

Sabe o que lhe recomendo. Em vez de estar para aqui a ler…agarre no carro e coloque-se a caminho! Vai ficar tão apaixonado por Arcos como eu.

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